O Contínuo


“Lo Sguardo di Michelangelo”, de Michelangelo Antonioni, 2004 / “Gerry”, de Gus Van Sant, 2002.
abril 17, 2010, 2:20 pm
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O choque entre o século e o fugaz.

por Mateus Cabeça-de-ovo.

Temos aqui uma soberba amostra curatorial. Improvável pensar intersecções entre universos tão distintos quanto o são Van Sant e Antonioni, olhares de significados aparentemente contrários, entre, respectivamente, um que facilmente receberia a pecha de “jovem” e a de um outro que, em contrapartida, recebe a de “maduro” (melhor dizendo, “velho”). Entre a forma de ver de um “novo mundo” – no caso, os EUA – e, outra, de um “velho mundo” – a Europa. Ou pondo de uma outra maneira, entre a de um olhar de uma História sempre recente, posto que ceifada e entrecortada (a América de Van Sant), e uma outra de uma História com seu peso ininterrupto, contínuo, como se uma matrona aristocrática e triunfante (Antonioni) fosse. Onde o estatuto da imagem, em um (Antonioni), reporta-se a uma espécie de interioridade dotada de uma largueza experencial e onde, em outro (Van Sant), a existência apenas comparece na exterioridade da imagem mostrada.

Complicado? Vejamos.

Em “Lo Sguardo di Michelangelo”, curta de Antonioni, vemos o próprio em idade avançada, carcomido pelo tempo, como se dele víssemos um esboço. Extático frente a estátuas renascentistas esculpidas por Michelangelo, assistimos a uma admiração sensórea, quase sensual, de mãos e olhos em permanente flerte, nunca concluso. Há naquele olhar uma leveza antes de tudo tátil de um homem que, num afastamento deferente, tenta percorrer caminhos por onde percorreram outras mãos. Absorto e esmiuçando trecho a trecho, seu laconismo tem algo de triste, tendo em vista a inversão gloriosa de um pedaço de pedra que, na segurança do tempo, impõe sua beleza estática a um senhor que aparenta invejar aquilo que já não tem mais. Em um jogo de planos e contraplanos, são descobertas e despidas as reetrâncias do “Moisés” (Igreja de São Pedra Acorrentado, Roma) por ângulos com um quê de paixão, de fissura, (por que não dizer?) de tara mesmo, enquanto, impassível, aquele homem velho (i.e, Antonioni) é submetido ao poder de uma perfeição portentosa, saudável, ideal, dificilmente alcançável – não nos esqueçamos: essa é uma das últimas obras do cineasta, à época com problemas sérios de saúde. Tudo orquestrado por uma câmera que aparenta almejar encontrar algo para além da superfície, algo transcendente, que tenta a todo custo perscrutar a imanência daquele agrupamento de blocos de mármore. É como se, diante da “coisa”, restasse demonstrar uma admiração prostrada, contida, como em confissão, tão-só. Há um quê de mistério na expiação filmada.

Fica a pergunta: poderíamos dizer ser, afinal de contas, tudo em “Lo Sguardo di Michelangelo” apenas uma grande epifania cristã em vestes laicas mal-postas? Talvez.

Já “Gerry”, longa de Van Sant, mostra-se contemplativo, de olhar vago, a procura de algo nunca encontrado, errático. Numa leveza imagética poucas vezes vista, fotogramas extensos, profundos e ricamente belos são erigidos. Há uma satisfação clara nesta obra em apenas pôr em relevo a superfície da imagem, em pôr à baila a grandiosidade dessa superfície. A história narrada é pouco importante e pode ser resumida em pouquíssimas linhas: dois jovens pretendem fazer uma trilha selvagem em um rincão americano qualquer, e se perdem, procurando, posteriormente, encontrar uma saída rumo à estrada mais próxima. Suas conversas não versam sobre nada de fato importante. São amenidades que servem mais como atmosfera e pano-de-fundo que outra coisa. Apenas percebemos com elas a intimidade dos personagens, sua amizade consistente e sólida, visto serem os diálogos fechados e circunscritos a eles próprios – e ninguém mais. Suas andanças (a dos personagens) mostram-se tão erráticas quanto a busca aparentemente precisa da câmera, que não encontra nada além do que é mostrado. Na realidade, temos com essa busca (a da câmera) uma falsa interioridade dada aos personagens, visto que, para além do visto, eles não são nada além de imagens vagantes. Imagens que pegam os olhos, digamos, “pelo baixo ventre”, pois, ornamentadas de maneira preciosista que são, fazem do percurso algo hedonista a esses mesmos olhos. As matizes dos desenhos causados pelo sol incidindo sobre a câmera, a beleza arenosa do ambiente, a riqueza na variação do espaço percorrido, tudo é mostrado de modo a trazer deleite. Enfim, há em Van Sant uma maneira deslocada de fazer cinema dentro de um universo ao qual ele próprio faz referência notória: o universo ianque. Há uma contenda entre uma tradição americana de fazer cinema, um cinema pautado na ação, um cinema físico, e sua maneira “meditativa” de filmar. Um paradoxo aparente.

No entanto, como dito, esse nada mais é que um paradoxo aparente. Mesmo que seja essa a sua forma de filmar, nada mais ianque que o cinema de Van Sant. Há nele um desejo evidente de, a cada fotograma, captar uma espécie de “América profunda”, intento sempre demonstrado no cinema americano, com seus faroestes e “roadie-movies”, passados nesse mesmo deserto capturado por “Gerry”. No entanto, assistimos a um outro interior, a um outro “oeste”, um “oeste” de uma contemporaneidade hedonista e epidérmica, pop. Porém, sem os histrionismos de um Tarantino ou um David Lynch, sem o “yeah!” a cada imagem apresentada. Vemos apenas dois garotos como que esculpidos por mãos habilidosas e homoeróticas, dois erômenos [jovens que eram objeto do desejo na pederastia grega] em plena forma, rumo a um anti-climax sem destino. Aliás, retratar rapazes estoporando apelo sexual é uma característica marcante na obra de Van Sant, uma elegia clara e descarada à juventude – algo caro à cultura americana (James Dean?). É aí onde encontramos, em Van Sant, ambiguamente, seu defeito e sua virtude.

Por quê?

Porque é nessa mesma cultura jovem posta em relevo por Van Sant que encontramos um dos pontos de inflexão do capitalismo tardio. Ser jovem, hoje, é objetivo social declarado e sem par. Do botóx das colunas sociais, passando pelos jeans e t-shirts das lojas de departamento, aos sorrisos dos reclames publicitários de todo tipo, tudo hoje transpira jovialidade e adolescência – algo inversamente proporcional ao procurado no século XIX, com sua circunstância e sisudez sorumbática. Tudo agora é voltado para o jovem – vide, agora, os quadrinhos teens da Turma da Mônica ou da Luluzinha(?!). Afinal, é nessa experiência fugaz, nesse interregno anterior à captura pelo trabalho, que podem ser vendidas utopias descartáveis de audácia controlada e intensa – como na vida vivida por Ferris, em “Curtindo a vida adoidado”. Uma utopia sem amanhã. Um eterno presente irrealizável. Irrealizável como a utopia reluzente e sem rachaduras (e nem um pouco auto-sustentável) de um shopping. Uma utopia a curto prazo, sem horizonte. Inconsequente. Pois experienciar sem necessariamente viver a experiência de viver – coisa que demanda tempo e calos criados pelas dores inevitáveis – é algo a que se granjea e que se procura abreviar a todo custo, hoje. Afinal, adquirir experiência de vida é necessariamente não mistificar a realidade. Realidade, ademais, já ideologicamente mistificada, visto ser dominada por coisas sobre as quais não temos domínio.

Contudo, mesmo que seja essa a forma ideologicamente colocada na modernidade tardia, Van Sant possui o ganho de não fazer necessariamente juízo-de-valor sobre a juventude por ele mostrada. Pelo contrário. Sua generosidade é demonstrada nos planos estendidos, longos, abertos, dedicados integralmente a mostrar um modo de ser que, sem dúvida, possui algo de encantatório, mesmo assim. A insatisfação, o atrevimento, o “humpf” que aposta no incerto, numa vida desigual e não-linear, aventureira e desbravadora, como, bizarramente, a dos garotos de “Gerry” (que, mesmo sem saber para onde devem ir após perderem por puro descuido e inconsequência o caminho da trilha que iriam antes fazer, continuam, de qualquer modo, caminhando), são coisas com as quais muitos sonham, afogados que estão em suas vidas tomadas pelo tédio de “matar um leão” e “engolir um sapo” por dia – tanto nos escritórios de alguma firma qualquer, quanto nos cafezinhos engolidos rotineiramente em repartições públicas. Captar esse universo sem necessariamente fazê-lo sob a pecha de um conceito pré-concebido como o de “Geração X”, “geração perdida”, de uma geração cheia de vícios, angústias mal-resolvidas e blablablá (como ocorre com Larry Clark e seus filmes, tipo “Ken Park”) faz de Van Sant um cineasta sem muitos pares. Enfim, capturar a errância do momento atual – que tradicionalmente é representada e se aglutina nesse momento da vida, a do jovem – é uma das maiores virtudes que podemos encontrar no diretor de “Gerry”.

Todas essas são coisas que distam por demais da maneira como a realidade é representada por um cineasta como Antonioni. Suas formas que parecem mostrar mais do que o que é mostrado, sua meditação por demais reflexiva e – antes de tudo – interior, seu extâse estático, fazem parte da tradição de um olhar tomado pelo tempo, antigo, com a amplitude de séculos, tomado pelo peso da experiência, “velho”. Entretanto, é curioso perceber as semelhanças entre os filmes exibidos. Tanto em um quanto em outro temos contato com imagens dotadas de uma clara sensorialidade, de um quê tátil, tanto na rocha esculpida em “Lo Sguardo di Michelangelo”, quanto nas rochas in natura cheias de sulcos e reetrâncias de “Gerry”. De maneiras distintas, tanto num quanto noutro existe uma força contemplativa nítida, ficando um (no caso, Van Sant) com a beleza exterior da imagem, buscando o outro (Antonioni) um significado por demais inefável. Além do mais, tanto num quanto noutro o som-direto e a trilha sonora comumente atribuem carga preternatural à imagem, como se nela pontuassem o sublime expiado. E nos dois pequenas epifanias são montadas por meio de coisas aparentemente banais e sem importância – e mesmo assim filmadas. Enfim, tanto “Lo Sguardo di Michelangelo” quanto “Gerry” possuem o dom da espera, de se deixar surpreender, mesmo que essa espera se dê tocaiando atentamente um monte de pedra imóvel (mas ainda assim detentora de um aparente sopro de vida), como o “Moisés” de Antonioni.

Tirar do simples uma gama de significados e fazer do pouco, muito, são virtudes não muito fáceis de encontrar. Principalmente quando falamos de um signo que a príncipio nos engana pela mimese especiosa com a realidade representada, como o é a imagem fotografada [ao contrário do signo escrito, por ex, que não encontra similar na realidade concreta, exigindo certo tipo de abstração e esforço imaginativo intrínsecos]. Virtudes que, acreditamos, podem ser encontradas com sucesso nas duas obras em questão, fruto de um encontro complementar, harmônico e enriquecedor de uma curadoria hábil e arguta.

Perfeito.

(Dissenso, 17/04/2010).



“Coisas Secretas”, de Jean-Claude Brisseau, 2002.
abril 3, 2010, 3:27 am
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Thalia pelo menos tem culotes.

por Mateus Cabeça-de-ovo.

Curto e grosso: cataram Thalia [atriz mexicana de novelas] e envernizaram numa “Sexta Sexy” (lembram?) wannabe de autor. Pra piorar: francês. E misógino.

Prefira o original.

*Só pra constar: ao contrário do que se poderia pensar, Thalia não é atriz do filme.

** Se você acredita em Papai Noel e compra gato por lebre, segue: http://www.contracampo.com.br/53/coisassecretas.htm

(Dissenso, 3/4/2010).



“Cabaret”, de Bob Fosse, 1972
março 20, 2010, 12:55 pm
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Quando a contracultura é reacionária.

por Mateus Cabeça-de-ovo.

[Pra que não digam que sou ranzinza, (paradoxalmente) gostei do filme. Mas como gosto não é critério – pelo menos não em termos de análise -, vamos ao que interessa.]

Discutir o plano formal sem apreender as dinâmicas sociais que o perpassam, não só é frágil, como débil e medíocre. Fazer do cinema um ato de dândis conversando em bistrôs e cafés é o mesmo que capar os córneos de uma promessa não-realizada – no caso, as capacidades germinativas da ética manifestada pela estética, no cinema. Ou melhor, talvez de uma promessa pouco realizável, no caso do cinema, visto que o desenho da técnica cinematográfica é constituída pelo que a circunda – assim como constitui o circundado. Em outras palavras: a atomização social e a individualização próprias à modernidade já eram algo anunciado e posto à baila pelo corte e enquadramento do gesto, intrínsecos ao fazer cinematográfico. Não percebemos isso, mas vermos as coisas parceladas é uma aberração com a qual já nos acostumamos e que, no entanto, ainda eram aberrações nos albores do cinema. Ao enxergarmos apenas, por ex, um pé não pensamos – necessariamente – que deveríamos ver o resto (i.e, o corpo inteiro), como queriam as primeiras platéias, estupefactas com o esquartejamento próprio ao cinema – e, com isso, com o próprio cinema. O cinema nos acostumou com um projeto de sociedade da sociedade da técnica. Porém, mesmo imbricado e subjacente à produção audio-visual, sua sutileza dominadora (a da técnica) ainda permanece – tanto que é perceptível nas críticas [brasileiras] presentes uma primazia das análises formais sobre as análises propriamente sociais (e políticas), implicitamente tidas como datadas e cheirando à naftalina. Construir critérios é necessário para não sermos de todo engolfados – como em muito já somos. É preciso educar o olhar. E educar o olhar equivale a criar distância, nos desacostumar, estranharmos. No entanto, ser crítico não significa retornar. É olhar para frente percebendo o que foi perdido. Parte do processo de reconstrução próprio à crítica é fruto de uma destruição que tenta remontar os caquinhos, as pegadas, que tenta remontar aquilo que somente percebemos indiciariamente. Não há retorno. O que não significa que não há mudança. Senão estaríamos mortos e, por conseguinte, não haveria mais história. Nem tudo está perdido. Ainda há reminiscências.

Busby Berkeley, cineasta da era de ouro dos musicais, preocupava-se em captar a inteireza do gesto, seu percurso, sua unidade – algo comum não só a ele, mas ao que se convencionou chamar de “cinema [americano] clássico”. “Cabaret” – musical da década de 1970 (e ganhador do Oscar) – ao contrário: a exuberância, nele, não encontra-se mais nos cenários e nas coreografias (como em Berkeley), mas na “mágica da edição”, no corte, nos gestos incompletos dos bailados, de frames neuróticos e “videoclípiticos” – algo que, uma década depois, seria levado ao paroxismo e histeria.

Duas grandes bilheterias, duas formas de fazer cinema, duas épocas distintas. Porém, devemos nos perguntar sobre não apenas o que mudou, mas o que, antes (devemos atentar), se perdeu. O que terá sido?

É muito pouco dizermos que a mudança advinda deve-se à 2.a Guerra Mundial e suas implicações nos grandes centros [do capitalismo] (fato). No entanto, como essas implicações foram vividas e se refletiram na esfera da cultura, da sociedade e, por conseguinte, no cinema? Como podemos narrar essa mudança?

Talvez a melhor forma seja começar pelo filme.

O que assistimos em “Cabaret” é a uma cocote caprichosa típica do começo do século – cabelo chanel, roupas caras e bem talhadas, etc, etc –, trabalhadora de um cabaret burlesco igualmente típico, onde todo tipo de liberalidade é permitida. Vemos passar à nossa frente gays, mulheres com maquiagens pesadas e andróginas – a ponto de confundirmos quem é homem (no caso, quem é travesti), quem é mulher -, além de uma liberdade sexual baixos teores, uma liberdade de expressão (tão cara ao “jeito ianque de ser”) “matativa”, uma vida regrada por excessos… Em outros termos, vemos à nossa frente passar inconformismos diversos e leves – verdadeiros softs -, que giram, no filme, em torno de uma elite cheia de “encanto e graça” – como moscas ao redor de um rato morto. Em bom português, o que assistimos é a uma representação de uma parte ínfima da contestação levantada pela contracultura, próxima ao filme em tempo (o filme é de 1972) e espaço (já dito). Ou seja, o filme só versa, mesmo que em vários ângulos, sobre a liberdade sexual, tão na moda e em voga à época. Mais: versa sobre a independência feminina, visto que, não nos esqueçamos, a personagem principal (Liza Minelli) é uma faceira e afetada prostituta que quer vencer na vida fazendo, quem sabe um dia, películas – quase imaginamos ouvir Madonna cantando “Hollywoood…” ao fundo. Tudo temperado por uma “décadence avec élégance” própria a um filme que – como qualquer outro oscarizado – preocupa-se em possuir uma grandiloquência tanto nos planos geradores de diva (com tudo o que isso implica: luz, tempo de amostragem, etc, etc), quanto nas reconstituições de uma Alemanha prestes a entrar na 2.a Guerra – nazismo? (ouvi falar Oscar?) – ou nos problemas “sérios” a serem pinçados às massas, além de bailados satíricos que pontuam a trama. Um chiclete cremoso e cheio de açúcar lançado aos “bestializados”, desejosos por um novo enlatado com um novo charme.

Consequentemente, em “Cabaret”, tanto na fragmentação formal (planos picotados, especialmente durante as coreografias) quanto no deslocamento conteudístico (contracultura engana-besta), assistimos à descentração de um sujeito abertamente embebido, e recuperado, por uma nova ordem da técnica, por um rearranjo social causado por um rearranjo da técnica. Algo em Busby Berkeley (e no “cinema clássico”) nos deixa intuir – com seus planos que procuram, por completo, o movimento, assim como suas histórias convencionais de amor – que ainda existia e restava, no gosto das massas, um senso de totalidade, comum, de grupo, unívoco, expresso, no mundo real, tanto no nacionalismo exacerbado, alimento dos totalitarismos, quanto em projetos de mudança totais, como o da luta de classes. Algo perdido na “descontrução” fragmentária e mainstream de “Cabaret”.

Se antes acompanhávamos o gesto (Berkeley), hoje acompanhamos seus indícios (“Cabaret”). Se antes o amor tomava a trama, era sua liga (cinema americano clássico), agora o temos, digamos, confuso e contradito (“Cabaret”).

Além do mais, antes de meados do século XX, a técnica já se imiscuía em praticamente tudo, mas um último reduto permanecia, em partes, intocado: a família nuclear patriarcal. Seu poder era absoluto tanto sobre os filhos quanto sobre a mulher, como absolutos eram, ainda, os paradigmas – como em Berkeley “absolutos” eram os gestos. No entanto, a partir de inovações que adentravam os lares, inovações da ciência e da técnica, tanto a mulher pôde sair de sua prisão domiciliar vitalícia (inovações: pílula, eletrodomésticos em geral, etc, etc), quanto os filhos puderam dar vazão ao seu inconformismo com meio tão claustrofóbico (inovações: rock, guerras imperialistas e novas revoluções pela tv, etc, etc). Um último resquício “comunitário” – a família – se partia. Nada mais natural que a imagem também se partisse.

Desde sempre esse fora um projeto anunciado. Mas agora, finalmente, tocava as trombetas e se espraiava por completo. O que sentia-se como renovação, nada mais era que uma extensão das grades. Como um tiro pela culatra, a contracultura hippie ofertaria novos costumes para uma geração, não muito depois, de rebentos yuppies. A mulher sairia do fogão para comprar batom. Filhos mimados podiam escolher a qual família desejavam pertencer. Cada um por si. “Cada um na sua”. “Todo mundo Free”.

A lógica anterior era sólida, em forma de bloco, como a família nuclear – como em bloco são as formas de Berkeley. Contra seu reacionarismo, propunham as vanguardas estéticas a dissolução, a quebra. Agora, assistimos ao contrário: o sólido dissolveu-se e a nova ordem é ser fluido, é “liquefazer-se” – como um “ficar” juvenil nos moldes caprichosos da personagem pequeno-burguesa de Liza Minelli. Tudo deve ser fluido e partido. O reacionarismo ganhou um novo rosto. A imagem ganhou um novo rosto. A dança picotada de “Cabaret” é esse novo rosto.

Mas talvez a realidade não seja em tons tão fechados e escuros quanto até agora pintado. Certo: as comunidades, hoje, são por afinidades – o que, em partes, reforça a atomização descrita. Porém, não mais somos forçados a pertencer a alguma delas (como era a família); escolhemos em qual delas queremos estar, pelo consumo (como na internet). Quem sabe, nas fissuras do consumo possamos encontrar um horizonte – como ocorreu à contracultura e suas promessas não-cumpridas. Mesmo que a despeito de dome$ticações como a do filme em questão.

De qualquer modo, algo é certo: enquanto nos contentarmos em engolir, servilmente, a realidade como parte e não como todo, como trecho e não como inteiro, como pé e não como o resto do corpo, como videoclipe e não como experiência vivida, um novo fracasso retumbante será constantemente anunciado.

E a ele novamente assistiremos. E, desta vez, a um download da mão…

(Dissenso, 20/3/2010).



“Le Monde Vivant”, de Eugène Green, 2003
março 13, 2010, 1:25 pm
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Um Shrek cheio de pantim

por Mateus Cabeça-de-ovo.

É engraçado como “Sicília” e “Le Monde Vivant” (respectivamente, penúltima e última sessões do Dissenso) se aproximam em seus dispositivos formais – e como distam em seus resultados. Tanto num quanto noutro, há rigor nos planos, com os atores inclusive neles fixos, além de ter a palavra, nos 2, igualmente relevância, centralidade, causando, de entrada, um certo estranhamento com o que está sendo apresentado. Mas somente de entrada. Com o passar dos primeiros 15 minutos de “Le Monde Vivant”, entretanto, as proximidades se esvaem e ficam apenas distâncias. A começar pelo mote: um conto da carochinha um tanto bobo – como aparentemente bobas são as histórias infantis. Por estas vias, temos já de então algo que aproxima o espectador com o que está sendo mostrado, por constituir-se de uma matéria-prima que à vida de todos perpassa, qual seja, as “histórias de Trancoso” – preocupação oposta a de “Sicília”, onde a postura “pedagógica” nele incutida não é a de proximidade e diálogo, mas a de um mestre (sabedor) com seu aluno (“sem luz”), fruto de seu pedantismo modernista, preocupado que está em iluminar as “massas”, ou melhor, no caso, os letrados já escolados. Ademais, ao contrário do outro, seus planos por mais rigorosos que sejam simulam movimento, por meio de uma decupagem que privilegia, freneticamente, campos e contra-campos que acompanham a fala dos personagens. E é exatamente aí onde encontramos a chave formal do longa: é na decupagem que está o movimento – e não na atuação. Explico: o movimento em “Le Monde Vivant” é simulado através de planos fixos, de parca ou lenta ação, que, em sequência, possibilitam entrever sugestivamente aquilo que não vemos, num jogo hábil de mostra/esconde. Outrossim, este é um recurso que atravessa todo o filme, o de mostra/esconde, visto que presenciamos um conto-de-fadas medievalista em que enxergamos personagens sob vestes de hoje, i.e, com camisas sociais ensacadas em calças jeans, ou de tecido, atuais. Enfim, dando vazão ao que há de imagético no que não é mostrado, em uma insinuação ininterrupta, contínua, regular, insistente, sabemos que esta é uma narrativa passada em época medieval através da fala, da palavra. Pois a palavra, aqui, possui a mesma função que a de um “pó de pirlimpimpim”, transformando contemporâneos em protagonistas pretéritos (cavaleiros, damas/princesas de castelos…), um cachorro em um leão, uma lebre em um filhote de elefante, etc, etc. O que é dito dá dimensão e carne ao “real” – e não o próprio real que é capturado pela câmera. Além disso, outra oposição há entre “Sicília” e “Le Monde Vivant”: o tom. Neste último, o que é mostrado é de uma candura – não sem uma certa discrição – que difere de filmes de mesma superfície, muitas vezes preocupados que estão em, na ânsia de sua intransigência, mostrarem-se ríspidos e duros, como se à platéia desse uma dedada ou um “foda-se!”. Não que a dedada seja inválida, não que este blog inclusive não a defenda quando necessária. O problema é quando esta dedada serve não a um intuito subversivo e progressista, mas a um interesse aristocrático – limiar esquizofrênico muitas vezes vivido pelas vanguardas, historicamnte. Está em pôr-se como dententor de alta patente, em achar-se superior àquele com quem é interlocutor, está em colocar-se à parte da bárbarie – visão romântica – e não como partícipe, mesmo que involuntário, dela. É este o problema que encontramos em “Sicília”.

Contudo, mesmo assim “Le Monde Vivant” escorrega. Seu dispositivo formal de mostra/esconde apresenta-se, ao transcorrer da carruagem, renitente e monótono. E colocando-se avesso a efeitos especiais, como comumente ocorre em películas de mesma temática (exemplo que logo vem à cabeça: “Senhor dos anéis”), parece haver neste filme a intenção de surpreender – especialmente ao pôr-se em um ângulo de produção absolutamente espartano, visivelmente de baixo orçamento. A princípio, parece haver, e apenas parece, algo de surpreendente no que vemos. A princípio, o estranhamento aos olhos causa um tanto de impacto. Porém, o que era surpresa, torna-se logo uma constante – ou melhor: repetição. Mas uma repetição que está a serviço de mais uma historinha tola, “infantil” (no mau sentido, ressalte-se). E que de legitimamente infantil não tem nada, a bem da verdade dirigindo-se a adultos a procura de mais um “the next big thing”. Assistimos a imagens que, na realidade, aproximam-se de uma música pop não mais que ok. Como a música pop, há nele um caminho previsível (encarnado no “happy end”), uma melodia forte (encarnado em seu tom meigo), a repetição como leitmotiv, numa espécie de refrão (encarnado em seus dispositivos formais, já ditos), além de um ápice grudento (encarnado na sequência em que um dos cavaleiros se encontra com sua dama presa a um castelo devido a seus laços misteriosos com um ogro monstruoso, ao meio da película) e de uma leveza prestes a ser esquecida em seus poucos minutos de duração (para o cinema). Aliás, pegando o gancho, as sequências em que o ogro aparece são talvez as poucas em que o mostra-esconde, o lado sugestivo do pirlimpimpim que transforma uma coisa em outra, tem uma quebra. Ou seja, este é o único personagem que, de fato, possui visual correspondente àquilo que imaginamos ser um ogro, único momento em que o filme depõe suas armas, tendo aí a imagem uma dimensão mais física, menos sugestiva.

Mas a música pop de que aqui falamos contida no filme não é exatamente a mesma, sem dúvida, que a que toca nas rádios FM. Poderíamos dizer que sua música aproxima-se de algo como uma “canção avant-la-lettre” indie, ou seja, de uma música pop que amplia seus sentidos, digamos, estreitos. Para tornar mais tangível, estaríamos falando de algo como um TV on the radio [banda americana desta década], que, em seus altos e baixos, causa empatia e estranheza a quem a escuta. Porém, precisando de vitamina C, é vero.

De qualquer modo, para além da análise, digamos, formal propriamente, a quem interessa “Le Monde Vivant”? A quem se endereça? Qual é seu lugar? Estas são perguntas que ganham relevo quando percebemos o óbvio: simplesmente não se pode falar em emissão/locução sem recepção/interlocução, ou seja, não se pode falar em obra sem platéia. Por seu sabor palatável, digestivo, poderíamos dizer ser esta uma obra que por uma distorção de mercado não tem espaço em grandes salas ou mesmo na TV, como, de início, achávamos. Bobagem. Uma sociedade mediada pela mercadoria tem nela a sua lógica fundante, central. Ou seja, tudo nela é “de mercado” – ou se quiser, “distorção”. Querer encontrar uma espécie de saúde na doença é, no mínimo, escapismo. Porém não se pode achar igualmente que vivemos numa sociedade totalitária e “de massas”, sob o risco de dar mostras de puro conformismo – quando não de puro cinismo mesmo. A questão não é essa.

Então qual é a questão?

Está ela no próprio lugar em que se encontra esta obra de Eugène Green, no nicho ao qual serve e é apreciado, retroalimentando-se. Arrematando: na verdade, assistimos aqui a nada mais que um “Senhor dos anéis” feito sob medida para platéias fleumáticas e intelectualizadas. Uma “novela” bem cortada para quem trabalha duro sem nem levantar uma barra de sabão. Uma espécie de “cinema é a maior diversão” para quem chia – normalmente – com o slogan. Ou como diria, sem carga de ironia (e agudamente), um dos partícipes do cineclube, é como se “Shrek tivesse sido dirigido por Bresson”. Mas a contradição aqui é só na aparência. Pois ser um desajustado, nesse caso, é apenas pura frescura. Como se falássemos de um “romance de cavalaria” dândi – antes de tudo dândi.

Em resumo: de tão leve, diáfano, sem tantos “ganchos” e viço, a sensação que fica é a de que voltamos pra casa como se dela não tivéssemos saído.

Conclusão ao final do 2.o tempo: 0X0.

(Dissenso, 13/03/2010).



“Sicília”, de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, 1999
março 6, 2010, 8:40 am
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Quando  ao militante é dado o dever de dizer que esse diálogo de cabeças é apenas mais um ‘papo-cabeça’.

por Mateus Cabeça-de-ovo.

Em “Sicília”, de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, panorâmicas de paisagens naturais pontuam e dão a tônica a uma narrativa constituída por personagens desencontrados e pouco vívidos. Panorâmicas que trazem movimento onde, paradoxalmente, não há movimento – i.e, nos instantes em que são mostrados os espaços demarcados por árvores, por terrenos acidentados, vegetação exuberante e nenhum ser animado; nos instantes em que a geografia aparece em primeiro plano. E, em oposição, não há movimento onde, a princípio, deveria haver movimento, onde o movimento deveria fazer-se presente – i.e, nos momentos em que os seres humanos estão em foco. Ou seja: em “Sicília”, o privilégio dado à geografia impõe sobre os personagens sua fixidez, sua dureza, sua natureza aparentemente estática. Marcas culturais impressas à geografia filmada desvanecem frente a uma história de pouca relevância, tomada por amenidades infindas, por pequenas histórias familiares, localizadas, paroquiais , contentes em ser apenas trecho, fragmento, trazendo um vazio a contentar-se em ser apenas uma espécie de pedra dessa geografia física e inanimada. Pedra. No filme em questão o que assistimos são mistérios de “pedras humanas”, de estátuas em forma de gente, de personagens empurrados à condição de figuras hieroglíficas, personagen fixos e hirtos como desenhos hieroglíficos. A câmera parece achatar o que há de humano por meio da dureza de sua racionalidade, impondo àquilo que possui alma a condição de seres natimortos e melancólicos. Na realidade, vemos discursos, muitos discursos, muita atividade própria ao “espírito” – e muito pouca própria ao corpo. Ou seja: os corpos representados possuem sex-appeal nulo, suas vestes se sobrepõem aos prazeres sensuais próprios à fisiologia do corpo, sua “beleza” está na falta de charme das atividades mentais, disciplinados que são – e disciplinados ao extremo. De modos que, enjaulados como ficam pela câmera, sua força de expressão forçosamente situa-se onde privilegiadamente as atividades mentais fazem-se perceptíveis, i.e, na cabeça. No duelo travado pela chatice modernista frente à “platéias despreparadas”, onde recursos claramente melodramáticos são apressadamente taxados de demagógicos (algo que, é bom dizer, acontece em alguma parte dos casos), assistimos ao tédio de estátuas que discursam, discursam, discursam e discursam. As palavras se sobrepõem àquilo que é rigidamente representado. A força está na cabeça. Está na falta de movimento. Está em, no exagero de se opor aos assédios de câmera comuns a um determinado tipo de filme esculpido e bem cortado às necessidades de mercado, propor o seu contrário extremo, ou seja, uma falta explícita de eventos substantivos, num 180 graus de contemplação, angústia e pouca expressividade de muitas delongas. As “estátuas” falam, falam e falam, resultando no oco próprio a uma disciplina, a um rigor ocidentalizante e, portanto, por demais europeu.

E é aí que a porca torce o rabo…

De tão parados, hirtos e sem graça que se apresentam os personagens de “Sicília” entrevemos um dilema cristão de um Deus que não se permite dançar. Entrevemos a natureza catequizante e disciplinar desse Deus. Algo introjetado na maneira cerimoniosa com que a cultura “ocidental” (aka européia) se apresenta e se firma. E que se contrapõe à forma sudorípara das culturas por ela devastadas – mas, felizmente, não de todo. À luz imposta por esse rigor, devemos encontrar os resquícios deixados por sua sombra. Todo projeto de cinema é um projeto de sociedade. E é aí onde reside o problema de “Sicília”. Na sua maneira despretenciosa, sem más-intenções, vemos uma câmera espremendo não-atores (diga-se de passagem, latinos) contra a parede, em um interrogatório incidentalmente humano, como se a eles quisesse catequizar com sua racionalidade, forçando-os a serem mentais e discursivos. Numa realidade latino-americana, condoída por essa mesma catequese, a princípio, trazida por jesuítas e padres num geral, em muito demonstra-se pornográfico e acintoso tal estupro. Assistir sob esse olhar, sob esse prisma, é assistir a filmes como esse como se assistíssemos a um “documento da barbárie”. É, também, reconstruir indícios deixados ao longo das sombras à procura de uma nova catarse. É buscar uma humanização que não seja somente essa entronizada, essa que não se despe, que discursa, que tem no corpo uma alavanca, que parece ter engolido uma alavanca. Essa humanização escolarizada, que mais e mais busca embraquecer-se. É nela, nessa humanização, que se encontra a origem da estereotipia das culturas e obras que estimulam prazeres sensuais. “Apelam”, corrigiriam defensores empedernidos de uma cultura “cabeça”. Não é de graça que exatamente ela, a cabeça, seja colocada em primeiro plano nas atuações dos personagens do filme em tela. E não é de graça que exatamente ela, a cabeça, tenha recebido no português uma alcunha pejorativa, de algo presunçoso e “chato”. Ser “cabeça” numa cultura em que a fala se expressa em muito (e também) pelo corpo é ser “mané”, “otário”, “cdf”, “nerd”. Claro: nem 8 nem 80. Pois a completa defesa ao lado das “massas”, geradoras dessa gíria (“cabeça”), incorre, também, em problemas da mesma monta, em demagogias igualmente totalitárias. No entanto, graças a esse nosso “filtro” latino podemos entender porque, por ex, em sessões “de arte” filmes completamente sensórios e corporais, como a comédia, o terror, o pornô e por aí vai, não possuem o mesmo espaço diante dos diversos matizes de drama. Ou o porquê da expressividade popular ser chamada, não pouco comumente, de “brega”, “vulgar” (Carla Perez? Gaiola das Popozudas?), “inculto”, “apelativo”, em suma, menor.  Afinal, há mais graça em uma garota classe média dançando funk em uma boate zona sul (ou fazendo zoológico de música brega no “I love cafuçú”, tanto faz) que uma garota preta e pobre dançando brega numa casa de shows a 5 reais – não é mesmo? Afinal, feio não é ser brega: é ser preto e pobre. “Afrancesar-se”, como queriam as elites do começo do século XX no Brasil, é desejo recôndito de nossas elites bem-pensantes.

E é nessa brecha onde encontramos as fissuras de um filme como “Sicília”. “Escová-lo a contrapelo” é desmascarar o ar inocente de uma máscara que nos “desafiaria” a não sermos mais os mesmos – pretensão eminentemente modernista, a de “Sicília”. De um filme que, no seu aparente hermetismo, mostra-se continuador de uma dinastia e de um trono. “Um outro” que, na realidade, é apenas “o mesmo”. Ao militante (como aqui é defendido) é dado o dever de dizer que esse diálogo de cabeças é apenas mais um “papo-cabeça”. Que cachaça e vinho não necessariamente se opõem – por vezes se complementam. Percebemos isso em “Pick-pocket”, de Bresson, por ex. O rigor duro e triste alia-se, no caso, ao bailar das mãos e corpos. Aí encontramos a riqueza que, acreditamos, só nos é possível, em sua completude, no cinema. Só com ele o olho pode apreender como se configura essa dança, não apenas imaginar com registros presentes e transitórios ela, a dança. Com a câmera, podemos saber, exatamente, que dança queria Bresson. E com isso nos deixar cativar, pelo estômago, com o “cuti-cuti” de uma história contada de maneira igualmente escrupulosa, como donzelas arfantes em uma sessão de “Titanic”.

Como dito: nem 8 nem 80, mas o encontro entre opostos. Por vezes, desse encontro advém atritos. Porém, como no Bresson citado, nasce o diálogo – que apenas pode se dar entre iguais.

Em “Sicília”, de Danièle Huillet e Jean-Marie Straub, não há encontro – ou se o há, há muito pouco. Não é esse o seu caso, unidimensional que é. Aliás: jesuíta que é.

(Cineclube Dissenso, 06/03/2010).



Godard em 68.
março 1, 2010, 4:25 am
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pros curiosos, o subtítulo.